ele disse " não preciso que me mandes embora, eu vou"
e foi

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era como namorar à janela
mas ela não namorava ninguém
ela namorava o vento, as gotas da chuva, o jardim quase morto,
namorava as vozes que vinham de longe, o céu sempre carregado demais,
as nuvens negras, as árvores despidas, as flores que pareciam nascer sem vontade (devagar)
a sua própria ausência de vontade de namorar alguém
que lhe pedisse para...

queria um chá por favor

comecei a fumar para te pedir lume
para arranjar um motivo. para.
tens lume? perguntei-te.
sim. disseste. levaste as mãos ao bolso.
engatilhaste o zippo. todo prateado.
abeiraste-te e fizeste concha com a mão direita.
eras canhoto, como o coração.
agora, disseste.
e levei o cigarro até à chama.
já está. e sorriste.
importas-te que te acompanhe? perguntaste.
não, claro que não. claro que não.
está frio. disseste. e esfregaste as mãos.
o cigarro sempre aquece.
sim. tossi.
estás bem? perguntaste.
estou muito bem.
óptimo. disseste. e sorriste.
aquele café além é acolhedor. não tomas nada?
um chá fazia bem à tosse. perguntaste. e disseste.
sim, um chá calhava bem. estava mesmo a apetecer-me.
parece que adivinhei. disseste. e aí sorri eu.
tomámos chá e de imediato fizemos planos de vida
que correram mal, imediatamente mal.

comecei a fumar para te pedir lume.
para passar o frio.
descobri que não viria a morrer
nem de cancro pulmonar, nem de amor,
mas da própria morte, mal o lume se apagou
e o café fechou as portas. para sempre.


Ana Salomé
é como uma flor, é mesmo como uma flor

arranca-se da terra, aperta-se no peito, cheira-se, admira-se a beleza
deixa-se cair e seca
morre

é um amor como a vida de uma flor, bonita, curta
onde já se prevê o fim, mas mesmo assim arranca-se da terra