partir ou ficar

São demasiadas raízes que me prendem aqui, a esta casa, a esta família, a este ar. Mas são também muitas as saudades que me puxam para essas terras. Que me fazem querer voltar a essas terras, terras molhadas da chuva de inverno, terras molhadas com pegadas dos nossos passeios ao final da tarde.

A verdade é que tenho saudades dos tempos que aí passei, dos chás que aí bebi, contigo, sozinha, na esplanada, na varanda com uma manta nas pernas, tenho saudades dos cigarros que fumei sem saberes, da inspiração que tinha para escrever coisas decentes, poesia coesa e bonita, sim bonita, saudades do teu sofá áspero, nada confortável e já velho, saudades do teu casaco que tantas vezes vesti porque nem as minhas cinco camisolas faziam frente ao frio. A verdade é que tenho saudades e ponto.

Partir ou ficar? Eis a questão. Posso guiar até aí e esperar que me abras a porta e dizer-te olá e fingir que não aconteceu nada, que não fugi daí. Posso apenas ficar aqui e chorar a tristeza do adeus. Eu não sei sequer o que fazer. Talvez porque não deveria ter fugido e agora a vergonha é muita para te encarar outra vez. Talvez porque tenho medo do que me irias dizer. Mas a verdade é que neste momento te escrevo do meu quarto da minha casa de infância e me apercebo que por muito que me custe tenho que tomar uma decisão. E a minha decisão é ficar. Eu vou ficar aqui. Não vou fazer nada, e vai haver muitas pessoas a insultar-me porque não fiz nada nem vou fazer, mas é o melhor para mim, para ti. Talvez o melhor seja mesmo procurar alguém com um coração limpo, alguém disponível para me aturar e que não me faça fugir. Já sabes que o que vivi aí, fica aí.

Se ao menos pudesse despedir-me de ti e ter a certeza que ias rasgar esta carta e correr para mim. Se ao menos soubesse que é tudo mais fácil e não existem estas tretas que me complicam a cabeça. Se ao menos conseguisse agarrar aquele tempo que passamos juntos e pará-lo e guardá-lo. Se ao menos pudesse cantar “adeus, não afastes os teus olhos dos meus”.

Adeus.

no fim do dia, ardem-me os olhos