Que bonito dia se pôs, disse ela ironicamente
Já houve chuva e sol e nuvens e céu limpo
Já tinha chorado amargamente
Já tinha rido compulsivamente
Já tinha dançado e cantado
E agora o dia acabava, pouco a pouco
E ela sabia isto porque via o sol a pôr-se
Por detrás das árvores e das casas amarelas que tinha à sua frente
Era como se fosse um dia desperdiçado
Onde ela não tinha feito nada de jeito
Nem tinha dito nada de bom, nem tinha visto nada de bom
Nem tinha feito nada de bom, nem tinha comido nada de bom
Nem tinha observado aquele rosto
Não era preciso porque ela sabia todos os seus traços de cor
Mas chegar a casa e aperceber-se que naquele dia não tinha apreciado aquele rosto
Ela ficava com raiva e com pena de o dia estar a acabar
Antes pudesse trazer o rosto comigo para casa, pensou ela
E o dia acabava, lentamente
Ela suspirou, esqueceu o dia que acabava naquele preciso momento
E desejou
Sol põe-te depressa para que possas nascer rapidamente amanhã
Para que eu volte a ver o rosto que hoje me esqueci de ver
E fechou os olhos com muita força
Mordeu a língua
E cruzou os dedos
Como se pedisse um favor a alguém

a alma falta?

comeram-me metade da alma. agora ela está doente.
Quando chego a casa
Quase sempre me descalço e enfio nos pés as minhas meias mais quentes, amarro o cabelo, visto o meu casaco velho e roto e sento-me à janela

E é aí que observo o lado de fora, o exterior, que ainda há pouco tempo abandonei
Da minha janela vejo coisas que não costumo ver quando passeio, vejo o vento a brincar com as arvores, os pássaros a picar a terra, as abelhas a voar contra o vidro, o céu a escurecer, tu a ires-te embora,
A lançares um beijo com a mão. tu a deixares-me para trás, pouco a pouco, cada vez mais
E eu daqui vejo tudo aquilo que não vejo quando passeio
Quando chego a casa
Quase sempre bebo um chá de camomila e como um pão com compota de amora doce
Quando chego a casa e por alguma razão fecho os olhos, são os teus que vejo
Eu olho os teus olhos e decoro-os, para quando chegar a casa e fechar os meus, ver os teus.

"Mysterious skin"

"You have to understand one thing, where normal people have a heart, Neil McCormick has a bottomless black hole. And if you don’t watch out, you can fall down and you get lost forever"

por momentos perdemo-nos no caminho

acho que te enganaste um bocadinho, acho que me enganei muito.
tentamos comprar um certo conforto que precisavamos na pessoa errada
devíamos ter procurado melhor ou deixavamo-nos estar na podridão sozinhos
fomos apodrecer um no outro e deixar marcas um no outro quando nem era preciso
quando isto só veio estragar o caminho outrora traçado
por momentos perdemos o rasto do caminho
mas depressa o encontramos
é a ausência das tuas palavras que me deixa assim.
ligeiramente perturbada, nem existem lágrimas a incomodar, nem lenços gastos pelo chão
vivo uma fase em que danço, muito
danço no teu silêncio


e se danço, é para não pensar na dor



dei por mim a cantar isto

Queres lutar com quem?
P'ra doer aonde? P'ra ser o quê?
Achas que ninguém vê?

E p'ra quê fingir?
Porquê mentir e remar na dor?
Achas que ninguém vê?


[toranja, cada vez mais aqui]