lets dream my dear

Ele continuava bonito nos seus sonhos. Continuava a ir ter com ela a casa, a deitar-se na cama lado a lado e a mexer-lhe nos cabelos, na cara, nos lábios. Continuava a beija-la todos os dias.
Nos seus sonhos ainda era verão e ainda iam passear à beira rio e sentavam-se em bancos de jardins e almoçavam juntos e falavam e riam muito muito.
Nos seus sonhos ele continuava cheiroso, doce e dançava para ela se rir. A sua vida ainda era colorida e alegre quando fechava os olhos e se punha a sonhar.
Ele continuava a ama-la nos seus sonhos.
Mas ela acordava e continuava a ama-lo.

30

"When food is gone you are my daily meal"

i remember this lovely day

"I never wanted anything from you, except everything you had"
e porque está frio, fecho a janela que deixa a saudade entrar e furar a minha pele
e guardo os nossos beijos quentes para me aquecer nestes dias

viagem


entrou no avião com um vazio no peito. passeou pela cidade fria que cheirava bem e julgou tê-lo visto em cada esquina e pensou "podia apaixonar-me de novo neste sitio". tirou muitas fotografias a pensar que um dia lhe podia mostrar. abriu o guarda chuva porque chovia e pensou que apesar de pequeno, aquele guarda chuva dava para abrigar os dois. bebeu muito chocolate quente e não comprou nenhum souvenir para lhe dar e pensou que queria deixar morrer porque vivo doía demasiado.

entrou no avião com um vazio no peito, mais uma vez.




amor doente III






you could have stayed here a little longer


sabes que são promessas em vão

e ela dizia que nunca mais, que nunca mais ia percorrer aquelas ruas que viu com ele,
que nunca mais ia vestir aquele casaco dele, com o cheiro aos cigarros dele
que nunca mais ia pedir torradas com doce ao pequeno almoço porque era o que ele sempre fazia para ela
que nunca mais ia olhar-se ao espelho e desejar muito muito que ele estivesse atrás dela
que nunca mais
porque ele tinha ido embora, porque ele tinha fugido
mas ela viu-o no comboio e caiu no chão porque as pernas tremeram muito e não aguentaram
e então ela levantou-se e disse que nunca mais ia andar de comboio.

annie

o meu nome é Annie, sou do estrangeiro
vim para Portugal porque deixei na minha cidade natal o amor da minha vida
ele morreu, eu tenho muitos anos e ele tinha ainda mais que eu, ambos tinhamos muitos anos de amor.
ele morreu no dia em que deixou de ser a mesma pessoa
vinha para casa e já não me trazia flores como sempre trazia
não me procurava para me beijar
não se aquecia na cama com um abraço meu
não me pedia para lhe apertar a gravata
até que eu chorei muito porque tinha saudades de tudo aquilo que ele já não fazia
e então lembrei-me que um dia ele disse que eu era livre, que tinha tudo para fazer o que quisesse
e lembrei-me que ele disse que nunca mais ia amar ninguém como me amava a mim
então eu decidi vir embora porque não podia viver mais ali, com ele morto, ou seja, sem ele
então eu vim para Portugal, agora espero que ele me procure e me encontre
mas eu sei que ele não o vai fazer, mas enquanto estou aqui, o tempo passa e eu vejo paisagens lindas, e qualquer dia morro eu.
"This is the last time I'll abandon you
And this is the last time I'll forget you

I wish I could"

why?

"When you look at yourself do you see what I see?
If you do, why the fuck are you looking at me?"

dr.

ela queria casar com um pintor e ser poeta.
queria escrever durante o dia e fazer amor à noite no chão no meio das telas frescas, no estúdio do marido.
ela queria que ele fosse amigo dela e lhe pintasse nas costas os seus poemas preferidos.
ela queria que ele respirasse arte e lhe abraçasse com força. ela queria ser amiga dele para a vida. ele queria-a.
ela queria ser poeta e encher as lágrimas de tinta azul para sujar as mãos que levava à cara nos momentos de angústia.
ela queria tanto, mas ele seguiu medicina e esqueceu as pinturas.

é muito bom existir ao teu lado

Enches-me a alma quando te ouço dizer coisas tão doces, costumas dize-lo baixinho porque estou bem perto de ti e depois beijas-me o olho fechado que saboreia o momento. Enches-me o corpo quando te ouço cantar ao meu ouvido, quando sinto os teus dedos nas minhas costas, a tua língua na minha e os teus lábios no meu pescoço. Enches-me o rosto de felicidade quando percebo que te tenho e te quero ter por muito longo infinito tempo. Enches-me o peito quando me abraças, quando me guias por caminhos desconhecidos de mão dada e me amas num banco de jardim debaixo de um sol abrasador.
"We can build a new tomorrow today"

o amor doente

pareciam duas pessoas avariadas. sim avariadas, como se tivessem no meio do peito um post-it a dizer "avariado". ela sabia que não podia mexer nele porque alguma peça podia quebrar. ele não podia tocar nela porque estava demasiado fraco devido à sua quase irreparavel avaria.
mas é claro que ela mexeu onde não devia mexer e ele tocou nela. o papel a avisar do grande estrago caiu e durante algum tempo as duas pessoas pareciam menos avariadas. riam muito uma com a outra, estavam juntas e só estavam bem quando estavam juntas, riam muito uma da outra e falavam muito.
mas é claro que o tempo sem avarias acabou. depressa várias peças do corpo cairam com o tempo, as palavras secaram das suas bocas e já não se riam tanto. e depois as duas pessoas lembravam-se das suas deficiencias e ficavam tristes por saberem que ainda não estavam curadas. não foi tempo perdido, foi tempo que ainda veio estragar mais as duas pessoas.
estragou mais, porque agora tinham a caixinha de dentro do peito dorida. magoada. doía só de pensar nas avarias, doía só de olhar para pessoas avariadas e então deixaram de se falar e o tempo passou. agora é verão e ele vai à praia com ou sem avaria e ela vai ver a amiga tocar violino e quer aprender a tocar piano, mas para já fica em casa a ouvir música.

"Le Hérisson"

tens a boca doce

95

a cozinha é a única divisão fria da casa. lá não me lembro de ti, e ainda bem.
o telefone novo é portátil e tem a memória cheia. não cheguei a gravar o teu número, e ainda bem.
perdi a minha-tua caixa nas mudanças. nela continha bilhetes de cinema e senhas de autocarro de quando passeamos juntos. mas perdi a caixa, e ainda bem.
esqueci-me de como se fazia a sopa de que tanto gostavas. tento faze-la mas falta sempre qualquer ingrediente porque já não sabe como dantes. esqueci-me de como se fazia, e ainda bem.
a mobilia do quarto é nova, a cama chia, e ainda bem.
a cadeira que estava na varanda, onde te sentavas a fumar, ficou podre com a chuva de inverno, foi para o lixo, e ainda bem.
a minha morada não é agora a mesma, das minhas novas janelas já não se vê o mar onde nadavas ao fim de semana, e ainda bem.
I lose you
I love you

ela a imaginar

Era sempre a mesma coisa todas as noites, adormecia virada para a parede na sua cama. Breves minutos mais tarde virava-se para o outro lado, o lado da porta e então olhava a porta com esperanças que ele voltasse a tempo de a amarrar e apertar. Nos últimos dias tem acontecido sempre o mesmo, faz o jantar e espera que ele venha. Arruma a cozinha. Senta-se no sofá à espera que ele venha. Vai dormir. Tenta adormecer mas não adormece porque a vontade de o ter é muita. Mas o pior é que já não se falam há meses, mas a verdade é que ele nunca lhe devolveu as chaves de casa. Então ela fica a imaginar ele a ter vontade dela e a abrir a porta de casa dela e entrar pelo quarto dela. Mas isso é só ela a imaginar e a ver se adormece.
ela jamais acreditou, mas diz que tem saudades de se rir com ele.

boa noite

Às nove da noite já tem sono, perguntam-lhe se quer sair mas diz sempre que não pode. A mãe não deixa. Está a chover. Amanhã tem que acordar cedo.
Vai para a cama. Ouve música mas os ouvidos estão cansados, desliga o rádio. Tenta ler e lê, duas páginas e fecha o livro.
Há um lado positivo nesta inércia e neste tédio todo. Acaba por adormecer rápido e o dia acaba e outro começa logo. E como tem facilidade em dormir não pensa em assuntos que lhe apertam o coração e desgastam a alma.
Boa noite.

nada a acrescentar

"Sooner or later in life, the things you love you lose"

partir ou ficar

São demasiadas raízes que me prendem aqui, a esta casa, a esta família, a este ar. Mas são também muitas as saudades que me puxam para essas terras. Que me fazem querer voltar a essas terras, terras molhadas da chuva de inverno, terras molhadas com pegadas dos nossos passeios ao final da tarde.

A verdade é que tenho saudades dos tempos que aí passei, dos chás que aí bebi, contigo, sozinha, na esplanada, na varanda com uma manta nas pernas, tenho saudades dos cigarros que fumei sem saberes, da inspiração que tinha para escrever coisas decentes, poesia coesa e bonita, sim bonita, saudades do teu sofá áspero, nada confortável e já velho, saudades do teu casaco que tantas vezes vesti porque nem as minhas cinco camisolas faziam frente ao frio. A verdade é que tenho saudades e ponto.

Partir ou ficar? Eis a questão. Posso guiar até aí e esperar que me abras a porta e dizer-te olá e fingir que não aconteceu nada, que não fugi daí. Posso apenas ficar aqui e chorar a tristeza do adeus. Eu não sei sequer o que fazer. Talvez porque não deveria ter fugido e agora a vergonha é muita para te encarar outra vez. Talvez porque tenho medo do que me irias dizer. Mas a verdade é que neste momento te escrevo do meu quarto da minha casa de infância e me apercebo que por muito que me custe tenho que tomar uma decisão. E a minha decisão é ficar. Eu vou ficar aqui. Não vou fazer nada, e vai haver muitas pessoas a insultar-me porque não fiz nada nem vou fazer, mas é o melhor para mim, para ti. Talvez o melhor seja mesmo procurar alguém com um coração limpo, alguém disponível para me aturar e que não me faça fugir. Já sabes que o que vivi aí, fica aí.

Se ao menos pudesse despedir-me de ti e ter a certeza que ias rasgar esta carta e correr para mim. Se ao menos soubesse que é tudo mais fácil e não existem estas tretas que me complicam a cabeça. Se ao menos conseguisse agarrar aquele tempo que passamos juntos e pará-lo e guardá-lo. Se ao menos pudesse cantar “adeus, não afastes os teus olhos dos meus”.

Adeus.

no fim do dia, ardem-me os olhos

o caminho

Há um caminho que percorro todos os dias depois de horas seguidas com dores no peito. Tudo cá dentro está muito apertado, olho para ti e ai que dor, desvio a cara para não sentir que a vida passou por ti e que a vida em mim vai em câmara lenta. O peito, o coração dói-me muito, quer dizer que estás a abandonar-me? Sim. Que bom.

Há um caminho que percorro depois da agonia que sinto todas as manhãs, e é um caminho doce, com música nos ouvidos, pés a equilibrarem-se no passeio fino à margem da rua e mãos caídas que sentem o vento a fugir pelos dedos como tu me fugiste pelos dedos como eu te vou largando com o vento.

O ponto alto do meu dia é quando o peito deixa de me doer, é quando caminho, às vezes pelo percurso mais longo, e me sinto leve.

rip

eu sou perita em deixar morrer, diz-se por aí, mas há um corpo que ainda não morreu e que quando morrer vai ficar dentro de mim, um defunto a apodrecer com o tempo a passar...
blueberry pie and icecream, mnham
Que bonito dia se pôs, disse ela ironicamente
Já houve chuva e sol e nuvens e céu limpo
Já tinha chorado amargamente
Já tinha rido compulsivamente
Já tinha dançado e cantado
E agora o dia acabava, pouco a pouco
E ela sabia isto porque via o sol a pôr-se
Por detrás das árvores e das casas amarelas que tinha à sua frente
Era como se fosse um dia desperdiçado
Onde ela não tinha feito nada de jeito
Nem tinha dito nada de bom, nem tinha visto nada de bom
Nem tinha feito nada de bom, nem tinha comido nada de bom
Nem tinha observado aquele rosto
Não era preciso porque ela sabia todos os seus traços de cor
Mas chegar a casa e aperceber-se que naquele dia não tinha apreciado aquele rosto
Ela ficava com raiva e com pena de o dia estar a acabar
Antes pudesse trazer o rosto comigo para casa, pensou ela
E o dia acabava, lentamente
Ela suspirou, esqueceu o dia que acabava naquele preciso momento
E desejou
Sol põe-te depressa para que possas nascer rapidamente amanhã
Para que eu volte a ver o rosto que hoje me esqueci de ver
E fechou os olhos com muita força
Mordeu a língua
E cruzou os dedos
Como se pedisse um favor a alguém

a alma falta?

comeram-me metade da alma. agora ela está doente.
Quando chego a casa
Quase sempre me descalço e enfio nos pés as minhas meias mais quentes, amarro o cabelo, visto o meu casaco velho e roto e sento-me à janela

E é aí que observo o lado de fora, o exterior, que ainda há pouco tempo abandonei
Da minha janela vejo coisas que não costumo ver quando passeio, vejo o vento a brincar com as arvores, os pássaros a picar a terra, as abelhas a voar contra o vidro, o céu a escurecer, tu a ires-te embora,
A lançares um beijo com a mão. tu a deixares-me para trás, pouco a pouco, cada vez mais
E eu daqui vejo tudo aquilo que não vejo quando passeio
Quando chego a casa
Quase sempre bebo um chá de camomila e como um pão com compota de amora doce
Quando chego a casa e por alguma razão fecho os olhos, são os teus que vejo
Eu olho os teus olhos e decoro-os, para quando chegar a casa e fechar os meus, ver os teus.

"Mysterious skin"

"You have to understand one thing, where normal people have a heart, Neil McCormick has a bottomless black hole. And if you don’t watch out, you can fall down and you get lost forever"

por momentos perdemo-nos no caminho

acho que te enganaste um bocadinho, acho que me enganei muito.
tentamos comprar um certo conforto que precisavamos na pessoa errada
devíamos ter procurado melhor ou deixavamo-nos estar na podridão sozinhos
fomos apodrecer um no outro e deixar marcas um no outro quando nem era preciso
quando isto só veio estragar o caminho outrora traçado
por momentos perdemos o rasto do caminho
mas depressa o encontramos
é a ausência das tuas palavras que me deixa assim.
ligeiramente perturbada, nem existem lágrimas a incomodar, nem lenços gastos pelo chão
vivo uma fase em que danço, muito
danço no teu silêncio


e se danço, é para não pensar na dor



dei por mim a cantar isto

Queres lutar com quem?
P'ra doer aonde? P'ra ser o quê?
Achas que ninguém vê?

E p'ra quê fingir?
Porquê mentir e remar na dor?
Achas que ninguém vê?


[toranja, cada vez mais aqui]

desculpa

o vento lá fora mete medo. desculpa, mas desta vez vou ficar por casa. vemo-nos depois.
espero eu.
eu quero.

valentine's day massacre

uma dor de cada vez

"Apago todas as mensagens. Menos as tuas. Guardo a tua voz em pequenas doses e, dia sim dia não, ouço-as todas de seguida. Sinto-me demasiado incapaz para falar contigo para o que quer que seja. Não sei onde estás. Não quero saber. Tenho medo de saber mais do que sei. Uma dor de cada vez basta."


Pedro Paixão, "saudades de nova iorque"
"Don't go too soon
She went too soon"

finge comigo

Podíamos fingir que nunca nada aconteceu.
Podia fingir que nunca me disseste nada, que nunca me fizeste nada nem tencionaste tal coisa.
E tu podias, pelo menos, fingir que acreditas no que digo.
Era tudo bem mais fácil.
Podíamos fingir que não há esperanças, nem dor, nem pranto.
Ou então, fingir que acreditamos que está tudo bem, que apesar do que dissemos um ao outro, esteve sempre tudo bem.
Fingir que não há arrependimentos, nem incertezas.
Uma vida fingida é bem mais fácil.

vai doer pouco

bebe um copo de água fresca, não ouças música, não chores, não penses sequer, estuda e manda-me mensagens para saber que ainda estás viva
ele disse " não preciso que me mandes embora, eu vou"
e foi

...contar histórias

era como namorar à janela
mas ela não namorava ninguém
ela namorava o vento, as gotas da chuva, o jardim quase morto,
namorava as vozes que vinham de longe, o céu sempre carregado demais,
as nuvens negras, as árvores despidas, as flores que pareciam nascer sem vontade (devagar)
a sua própria ausência de vontade de namorar alguém
que lhe pedisse para...

queria um chá por favor

comecei a fumar para te pedir lume
para arranjar um motivo. para.
tens lume? perguntei-te.
sim. disseste. levaste as mãos ao bolso.
engatilhaste o zippo. todo prateado.
abeiraste-te e fizeste concha com a mão direita.
eras canhoto, como o coração.
agora, disseste.
e levei o cigarro até à chama.
já está. e sorriste.
importas-te que te acompanhe? perguntaste.
não, claro que não. claro que não.
está frio. disseste. e esfregaste as mãos.
o cigarro sempre aquece.
sim. tossi.
estás bem? perguntaste.
estou muito bem.
óptimo. disseste. e sorriste.
aquele café além é acolhedor. não tomas nada?
um chá fazia bem à tosse. perguntaste. e disseste.
sim, um chá calhava bem. estava mesmo a apetecer-me.
parece que adivinhei. disseste. e aí sorri eu.
tomámos chá e de imediato fizemos planos de vida
que correram mal, imediatamente mal.

comecei a fumar para te pedir lume.
para passar o frio.
descobri que não viria a morrer
nem de cancro pulmonar, nem de amor,
mas da própria morte, mal o lume se apagou
e o café fechou as portas. para sempre.


Ana Salomé
é como uma flor, é mesmo como uma flor

arranca-se da terra, aperta-se no peito, cheira-se, admira-se a beleza
deixa-se cair e seca
morre

é um amor como a vida de uma flor, bonita, curta
onde já se prevê o fim, mas mesmo assim arranca-se da terra